A mulher Mariana Morais dos Santos é negra, agricultora, Pedagoga, estudante de Educação no Campo na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e militante na agricultura familiar. É assim que a nossa entrevistada, Mariana Morais, define a si mesma. Filha de agricultores rurais, nasceu na zona rural de Santo Antônio de Jesus, Bahia, na comunidade Sapucaia. Desde pequena foi inserida na vida no campo. Esta mulher de coragem transformou-se em peça fundamental na construção dos valores sociais e ambientais da região. Após sua formação como pedagoga, Mariana não parou seus estudos e buscou se especializar no seu dia a dia. Ela queria entender e aprender como auxiliar os seus amigos, vizinhos, conhecidos e familiares a manter uma relação ainda mais respeitosa com a terra, e a partir do campo tirar o próprio sustento. Para isso, Mariana entendeu que precisava também atrair os jovens.
A partir do Grupo Ambientalista Nascentes (GANA), do qual é integrante, Mariana e outras pessoas da comunidade implantaram o Sistema Agroflorestal (SAF) na localidade, em parceria com a Associação dos Pequenos Agricultores das comunidades locais. Começava então um trabalho que mudaria a vida de todos os jovens da comunidade de Sapucaia. Meninas e meninos passaram a ter a oportunidade de levar para o sistema agroflorestal todo o aprendizado teórico que tinham dentro de uma sala de aula para colocar em prática a produção sustentável, o cuidado com a terra e a plantação de árvores frutíferas e nativas para auxiliar no reflorestamento. Sempre zelando pelo coletivo, onde o seu bem estar estará ligado ao bem estar do seu vizinho, Mariana Morais tem permitido um futuro diferente para muitos jovens na zona rural de Santo Antônio de Jesus. Para Mariana Morais, trabalhar com agroecologia é uma forma não só sustentável, mas também uma forma justa de se viver.
Confira!
Como o sistema agroflorestal e a agricultura familiar estão mudando a vida de jovens na zona rural de Santo Antônio de Jesus?
Um trabalho fundamental no nosso sistema é a integração e o respeito pelo outro e pelo local onde você vive. Percebemos que o nosso trabalho tem ajudado a diminuir o índice de violência na nossa localidade. A entrada de drogas na nossa comunidade é menos perversa, comparada com outros locais. O índice de gravidez precoce também. Isso demonstra que o objetivo do sistema está sendo cumprido, que é permitir aos jovens da Sapucaia um futuro diferente. Nós trabalhamos pelo fortalecimento da agricultura familiar e pela formação social desses jovens. Mostramos que ele pode optar por sair da sua comunidade, mas também tem a opção de permanecer lá e construir uma vida. Eles não são obrigados a morar no campo. Eles precisam de uma oportunidade para escolher o que desejam. Eu tive a oportunidade de estudar em outro local e sair de lá. Mas eu escolhi ficar. Entendi que o meu lugar era viver na Sapucaia. Para isso, entendi que precisava me juntar com outras pessoas para que pudéssemos construir uma realidade diferente. Ensinamos para estes jovens que ele não tem apenas como opção servir ao comércio local através da venda, servindo a sua mão de obra. Ensinamos que no próprio quintal da casa é possível criar um meio de produzir sem o uso do agrotóxico, proporcionando uma qualidade de vida para ele e para quem vai consumir. Isso é uma opção a mais. Para quem vive na zona rural sempre existe a pergunta: para onde eu irei quando terminar os meus estudos? Com o sistema agroflorestal ensinamos que você pode sobreviver com o que produz. Não é fácil, mas é possível. Por isso, a importância de fortalecer o crescimento social da comunidade e auxiliar no desenvolvimento desses jovens.
Como mulher do campo, quando pensamos em avanços e na garantia dos seus direitos, é válido dizer para a mulher do campo que avançamos?
Quando falamos em avanço é preciso perguntar: avanço para quem? Realmente avançamos ou estamos vivendo camufladas nesse avanço? Ainda existe muita exploração da mulher e muita violência como a doméstica, a sexual e a psicológica. Apesar de não ter um índice de violência alto na nossa comunidade, notamos que no interior vem aumentando, cada vez mais, o número de violência contra a mulher. Hoje isso é mais visível. E no campo essa violência é mais agravante porque a mulher do campo ela é mais silenciosa. Isso demonstra que não avançamos tanto quanto parece. Muitas vezes, por mais que ela sofra, a mulher do campo não tem para quem gritar. É uma dificuldade muito grande ser mulher, negra e da zona rural. Apesar de ser um privilegio para nós sermos mulheres, a verdade é que não é fácil. Claro que estamos conseguindo vencer. Vivemos uma jornada tripla. A mulher ela cuida da casa, do filho, do trabalho, do marido e na hora de dormir ainda precisa pensar nas tarefas do dia seguinte. É uma jornada que nunca acaba. Ser mulher do campo não é fácil. Ainda hoje, muitas mulheres compreendem apenas que elas precisam cozinhar, lavar, passar, trabalhar e ajudar o marido porque essa é a obrigação dela como mulher e o homem não precisa fazer nada. Essa não deve ser a realidade hoje do papel da mulher. A mulher precisa compreender que ela tem um papel e uma função social muito importante para o desenvolvimento econômico, politico e educativo no nosso país. Por isso, precisamos estimular sempre a criação de uma rede de apoio para que uma mulher possa auxiliar a outra.
Hoje, quais são os anseios dessas jovens do campo?
Apesar de muitos desses anseios serem pessoais, notamos que eles são enormes. Muitas meninas têm a expectativa de ingressar em uma universidade e escolher por um curso que tenha algo a ver com o local onde ela vive. Algumas querem constituir uma família e não desejam sair da comunidade. Elas querem ficar na comunidade, poder sair, trabalhar e retornar para o seu lar.