Histórias de vidas marcadas pela dor e pela separação. Essa é a dura realidade para mais de 10 mil filhos (as) de pais que tiveram hanseníase e, por causa da política da época, foram arrancados de suas famílias e colocados em “educandários”. A situação vivida por essas pessoas foi debatida nesta terça-feira (5), em audiência pública pela Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública, na Assembleia Legislativa da Bahia.
Com o tema “hanseníase: justiça aos filhos separados de pais atingidos pela doença”, o evento foi proposto pela deputada Neusa Cadore (PT), presidenta do Colegiado, após solicitação da vereadora e ouvidora geral da Câmara de Salvador, Aladilce Souza (PCdoB), e do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN). A audiência contou com a participação de dezenas de pessoas que viveram esse drama, além de lideranças comunitárias e parlamentares, a exemplo de Maria del Carmen e Robinson Almeida.
A vereadora Aladilce disse que a situação representa um drama ainda invisível. “A Bahia tem um dos maiores índices da doença. Independente da indenização, o tratamento foi indigno, injusto e a gente não pode permitir que se repita. Uma indenização é o mínimo que se pode fazer”, afirmou. A parlamentar disse que fará indicação ao município para incluir esses cidadãos nos critérios de prioridade do cadastro local do Programa do Minha Casa Minha Vida. Ela propôs também buscar alternativas para viabilizar suporte psicológico para minimizar o sofrimento.
A deputada Neusa anunciou que já fez uma indicação ao governo estadual para elaborar um projeto de lei que repare essas famílias. A parlamentar parabenizou o movimento pela luta coletiva e disse que como resultado da audiência criará um grupo de trabalho para acompanhar os desdobramentos e pensar estratégias de atuação. “Certamente a Bahia, com a luta de vocês e a sensibilidade do nosso governador, dará esse passo para pagar parte dessa dívida”, disse Neusa.
Jeane Magnavita, diretora de Vigilância Epidemiológica, representou o secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas-Boas. Disse que a Bahia tem um número ainda elevado de casos da doença. Ela se sensibilizou com os relatos e disse que integrará o grupo de trabalho para elaborar uma política estadual.
Para Edmilson Picanço, representante dos filhos separados no Comitê Nacional do Morhan, a reparação não mudará o passado. “Não é uma indenização que vai apagar essas histórias das nossas vidas, mas ela é importante no mínimo para que essas pessoas sejam vistas pela sociedade com outros olhos. O Brasil precisa tirar isso debaixo do tapete, precisa pedir desculpas e indenizar sim pelo erro cometido não só com nossos pais, mas com os filhos que foram separados, pois não tiveram direito a carinho, à amamentação, à educação, pelo contrário, eram levados para educandários”, defendeu.
Já Patrícia Soares, representante do MORHAN/BA e Conselheira Estadual de Saúde, lembrou as torturas e abusos ocorridos nas colônias. “Não há como reparar nem minimizar, mas tentamos reintegrar e dar dignidade a essas pessoas. Ainda há muito preconceito e discriminação. O isolamento ainda hoje só ficou mais sutil”, afirmou. O coordenador nacional do MORHAN, Artur Custódio, enviou uma mensagem que foi exibida e retratou o panorama do movimento no país, além dos desafios.
Antônio da Silva, separado aos três anos de sua mãe, ficou emocionado ao lembrar o sofrimento e a tortura no educandário. Outro filho, Agnaldo Gama, atual presidente do MORHAN/Núcleo de Salvador disse que nada vai reparar. “Não tenho vergonha de dizer que sou filho de leproso, não tenho vergonha de contar a minha história. Mas se nós desistirmos seremos esquecidos pela sociedade”, argumenta
O Superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Jones Carvalho, comparou a situação ao holocausto. “Não consigo me imaginar sem o abraço da minha mãe. Vocês foram vítimas da doença mais grave que pode acometer o ser humano, o preconceito. É a história do nosso país. Algo parecido com o holocausto e que aqui coincide com o período ditatorial. É um processo absolutamente desumano, muitos foram torturados”, lembrou ao falar sobre a importância dos Direitos Humanos.
ASCOM Neusa Cadore