MP da Regularização Fundiária contempla bancada ruralista e amplia problemas de conflitos pela terra, sinalizam estudiosos em audiência na ALBa

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Apresentada em regime de urgência e marcada pela falta de participação da sociedade, a Medida Provisória 759/2016 – que trata da regularização fundiária na área rural e na urbana e da Amazônia Legal – foi tema de audiência pública realizada pela Comissão Especial de Desenvolvimento Urbano (CEDUrb) da Assembleia Legislativa da Bahia, nesta terça-feira (19), reunindo movimentos de luta pela terra e por moradia e estudiosos, que rechaçam a MP, considerada inconstitucional e vista como meio de contemplar a Bancada Ruralista, base do presidente Michel Temer no Congresso Nacional.

 

Para a proponente do evento e presidente da CEDURB, deputada Maria del Carmen (PT), “esta medida é um verdadeiro retrocesso ao reconfigurar os demais marcos legais da regularização fundiária e do acesso à terra construídos de forma participativa, como o Estatuto das Cidades, além de trazer normas que tratam de função social da propriedade, moradia e direito ao meio ambiente, sendo que tais direitos não devem ser tratados por uma medida provisória, ou ameaçados”.

 

Dificuldades para acesso à moradia

 

Diretor do Instituto Pólis e professor de Direito Urbanístico da PUC/SP, Nelson Saule tratou do teor e apontou malefícios da medida, a qual ele também considera um retrocesso. Para ele, o discurso do Governo Federal de que a aprovação da MP vai agilizar o processo da posse de terras é tentativa de “vender gato por lebre”. “Esta MP está alterando todo o Marco Legal e as políticas de regularização fundiária já existentes, ao ignorar, por exemplo, o já está estabelecido na lei que trata do Programa Minha Casa Minha Vida e no Estatuto das Cidades, que têm avanços para fins de viabilizar a regularização, como instrumentos de demarcação urbanísticas, Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e vinculação com o Plano Diretor dos municípios. Além disso,  áreas consolidadas que já estavam definidas com base em critérios na legislação existente deixam de existir e isso traz insegurança para as famílias que moram nessas áreas. E a previsão de transformar todas as áreas em propriedades privadas, deve gerar processos de gentrificação se não houver instrumentos de planejamento e proteção de áreas para fins sociais. Eliminando, através da MP, o instrumento das ZEIS, essas áreas podem, claramente, ser destinadas ao mercado imobiliário, gerando mais dificuldades para as famílias que estão lutando por sua moradia”, explicou Saule.

 

Urbanização deixada de lado

 

O superintendente de Habitação da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Urbano (Sedur), Gabriel Nunes, também reforçou os prejuízos da MP 759/2016, que exclui as exigências quanto às condições mínimas de infraestrutura. “A medida extingue a obrigação com urbanização, não se preocupando mais com os equipamentos públicos, pavimentação, energia elétrica, lazer e saneamento básico nas áreas passiveis a regularização. Isso reafirma que este governo (Temer) não tem compromisso com a inclusão social”, destacou.

 

Conflitos pela terra

 

Membro da Direção Estadual do Movimento dos Sem Terra (MST), Lucinéia Durães destacou que a Medida Provisória promove a liquidação do patrimônio da União, sem apresentar critério para a venda de terras públicas, colocando em risco os assentamentos e comunidades de povos tradicionais, dentre outros retrocessos, sendo uma espécie de “cheque em branco” para quem detém poder econômico possam invadir terras, inclusive na Amazônia, um “prato cheio” para a grilagem. “A reforma agrária para nós, trabalhadores e trabalhadoras, é a alternativa para a gente se incluir e construir um processo que a gente consiga se reconhecer como um sujeito de direito, e esta MP não nos pega de surpresa, porque não poderíamos esperar coisa boa de um governo golpista. Ficamos muito indignados, porque há uma tentativa deste governo de ludibriar a nós trabalhadores, dizendo o seguinte: ‘Agora vocês terão o título de domínio e vocês podem fazer do lote o que vocês quiserem’. Isso não é verdade. Como é que agora é responsabilidade dos municípios resolver o problema da reforma agrária, se onde existem os maiores conflitos agrários são justamente onde os latifundiários ocupam todos os cargos – são prefeitos ou quem manda nos prefeitos, são vereadores ou quem manda nos vereadores?”, salientou Lucinéia.

 

A dirigente do MST ainda destacou que, segundo a Comissão Pastoral da Terra, 2016 foi o ano em que mais se morreu trabalhadores no campo, desde 1985, quando a CPD começou a fazer este tipo de registro. Assim, segundo ela “se esta medida for aprovada e a questão da terra passa a ser de responsabilidade do município, este número de 61 mortos em 2016 vai virar fichinha e a sociedade nem terá conhecimento de tantas mortes que acontecem no campo, pois estas não são evidenciadas pelos meios de comunicação”.

 

De acordo com a professora de Direito Urbanístico da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e membro do Grupo de Pesquisa Lugar Comum/UFBa, além da função social da terra pública, os conflitos fundiários também estão sendo ignorados pela MP 759/2016. “Esta medida provisória tira o corpo fora dos conflitos fundiários e diz que não serão regularizadas as ocupações que incidam sobre área demanda judicial, que versam sobre os direitos reais de garantia. Praticamente todas as terras que estão em conflito são judicializadas. Então significa que o que não vai regularizar as terras que estão em conflito? Isso é pior do que aquela medida provisória lá de 2000, que diz que terra ocupada não pode ser vistoriada. Recebemos este golpe lá em FHC e agora recebemos outro golpe que é não poder regularizar”, sinalizou a estudiosa.

 

Encaminhamento

Ao finalizar o evento, a deputada Maria del Carmen disse que vai articular a elaboração de um documento, a ser assinado por diversas entidades, a ser enviada a Bancada Baiana no Congresso Nacional, pedindo que os deputados que compõem a mesma votem contra a MP 759/2016.

Presentes

Além de Nelson Saule; da professora Adriana Lima; Lucinéia Duraes, do MST; do superintendente da Sedur, Gabriel Nunes, participaram do evento o advogado Eduardo Chaves, da Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais; Marli Carrara, da União Nacional por Luta por Moradia; Rita Sebadelhe, da Frente de Luta; o arquiteto e urbanista Carl Von Hauenschild, membro do “Fórum A Cidade Também é Nossa”; o arquiteto e representantes do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) na Bahia; Movimento de Luta pela Terra (MLT); Clóves Araújo, professor da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), representantes do mandato dos deputados federais Nelson Pelegrino e Afonso Florence e da vereadora de Salvador Marta Rodrigues; o líder do Governo na ALBa, deputado Zé Neto, presidentes de associações de bairros de Salvador, dentre outras lideranças.